Artigos | Postado no dia: 6 agosto, 2025
Acidente em test-drive: conheça os riscos do negócio e direitos do consumidor

Entenda quem responde por danos em acidentes durante test-drive. Saiba como a teoria do risco do empreendimento e o CDC definem a responsabilidade civil em concessionárias e revendas de veículos.
A prática do test-drive é amplamente utilizada no mercado automotivo como estratégia de marketing. Ao permitir que o potencial comprador experimente o veículo antes da aquisição, a revendedora amplia as chances de conversão de venda. No entanto, essa iniciativa comercial, à primeira vista vantajosa, envolve riscos que nem sempre são devidamente calculados pelo fornecedor.
Em caso de acidente durante o teste, surge a dúvida: quem deve arcar com os prejuízos?
Sob a perspectiva da responsabilidade civil, a resposta exige análise técnica que conjugue princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), da teoria do risco do empreendimento e da jurisprudência consolidada nos tribunais brasileiros, além do contrato em si, e é sobre isso que veremos neste artigo.
A responsabilidade civil e o test-drive
No contexto jurídico, o test-drive representa um ato preparatório da relação de consumo. Embora não envolva ainda a celebração do contrato de compra e venda, está inserido no escopo da oferta de serviços ao consumidor (art. 3º, §2º, CDC), sujeitando o fornecedor às obrigações previstas na legislação consumerista.
O código estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor por danos causados ao consumidor em decorrência de defeitos na prestação do serviço. Essa responsabilização independe de culpa, bastando que o serviço prestado exponha o consumidor (ou terceiro) a risco não mitigado.
Dessa forma, ao permitir que o consumidor teste um veículo – muitas vezes sem acompanhamento técnico, em via pública e com ausência de formalização contratual – a revendedora assume os riscos da atividade e pode ser responsabilizada por danos decorrentes do acidente, ainda que o consumidor esteja na condução do veículo.
Teoria do risco do empreendimento
A teoria do risco do empreendimento sustenta que o fornecedor de bens ou serviços, ao explorar uma atividade econômica em busca de lucro, deve suportar os riscos dela decorrentes.
Em termos práticos, isso significa que quem obtém vantagem com a atividade empresarial também deve arcar com seus ônus – especialmente se o risco for criado ou facilitado pelo próprio empreendedor.
O test-drive, nesse contexto, é instrumento de captação de clientela e geração de lucros. Logo, os riscos decorrentes da sua execução integram a normalidade do negócio, não sendo razoável repassá-los ao consumidor, salvo em situações excepcionais, como dolo comprovado ou assunção expressa e válida da responsabilidade.
Esse entendimento é reforçado por diversos tribunais brasileiros. As cortes têm reiteradamente decidido que, em regra, o consumidor não responde por danos ocorridos durante test-drive, principalmente quando não há termo de responsabilidade previamente firmado.
É possível transferir o risco ao consumidor?
A transferência de responsabilidade para o consumidor depende de duas condições fundamentais:
- Que haja documento claro e expresso em que o consumidor assume o risco, com plena ciência de suas implicações jurídicas;
- Que essa cláusula não seja abusiva, nos termos do art. 51, inciso I, do CDC.
É importante destacar que cláusulas contratuais que exonerem o fornecedor de sua responsabilidade legal são consideradas nulas de pleno direito. Portanto, ainda que haja termo assinado, sua validade depende da forma como foi redigido, da ausência de vício de consentimento e do equilíbrio contratual.
Além disso, a jurisprudência é restritiva quanto à eficácia de tais termos. Em muitos casos, os tribunais rejeitam a transferência do ônus ao consumidor mesmo diante de cláusulas expressas, entendendo que o risco criado decorre diretamente da atividade lucrativa do fornecedor e, por isso, é de sua responsabilidade exclusiva.
Entretanto, isso não significa que o consumidor estará sempre isento de responsabilidade, em especial quando agiu com dolo ou mesmo com má-fé ou, ainda, quando assumiu os riscos em termo de responsabilidade legalmente válido. Neste caso, havendo um acidente por sua culpa, poderá responder por danos causados não apenas ao veículo, mas também a terceiros e a seus veículos, bem como por infrações de trânsito praticadas durante o test-drive.
Medidas preventivas para fornecedores
Para mitigar os riscos jurídicos associados ao test-drive, recomenda-se que as concessionárias e revendedoras adotem as seguintes medidas:
- Elaboração de termo de responsabilidade claro e objetivo, com linguagem acessível, explicando os limites da responsabilidade do consumidor;
- Acompanhamento do test-drive por funcionário da empresa, que possa intervir em caso de conduta inadequada ou risco iminente;
- Realização de testes apenas em rotas pré-estabelecidas e de baixo tráfego, reduzindo o potencial de acidentes;
- Contratação de seguro específico para veículos em demonstração, cobrindo sinistros ocorridos durante o uso por terceiros.
Essas providências não apenas reforçam a segurança do procedimento, como também resguardam juridicamente a empresa em eventual litígio futuro.
Responsabilidade frente a terceiros
Outro aspecto relevante é a responsabilidade civil da empresa frente a terceiros lesados em acidentes durante o test-drive. Nesses casos, o entendimento majoritário é o de que a concessionária responde solidariamente pelos danos causados, com fundamento nos arts. 7º e 14 do CDC.
A única hipótese de exclusão da responsabilidade objetiva é a comprovação de culpa exclusiva do terceiro, caso fortuito ou força maior – o que raramente se demonstra em acidentes de trânsito.
Considerações finais
A realização de test-drives, embora seja uma ferramenta eficaz de venda, implica riscos jurídicos que não podem ser ignorados. O sistema de responsabilidade civil brasileiro, especialmente sob a ótica consumerista, impõe ao fornecedor o dever de prevenir e reparar danos decorrentes de sua atividade.
Isso inclui os prejuízos gerados durante testes de veículos, mesmo que conduzidos por consumidores em potencial.
Portanto, repassar ao consumidor o ônus por danos ocorridos em test-drive, sem respaldo contratual adequado, configura prática abusiva e contrária aos princípios fundamentais do CDC.
Concessionárias e revendedoras que adotam medidas preventivas e jurídicas adequadas não apenas se protegem de prejuízos, mas também demonstram responsabilidade institucional e respeito ao consumidor – valores essenciais para a reputação e longevidade de qualquer negócio. Portanto procure por assessoria jurídica adequada e não deixe seu negócio desprotegido.