Artigos | Postado no dia: 9 outubro, 2025

Briga pessoal ou fato alheio ao trânsito: quando a seguradora está correta em negar a indenização

Descubra quando a seguradora pode negar indenização em seguros de automóvel. Entenda por que brigas pessoais e fatos alheios ao trânsito não geram cobertura securitária.

Em contratos de seguro, a boa-fé e a função social são princípios que devem nortear a relação entre segurado e seguradora. No entanto, há situações em que a negativa da indenização securitária é juridicamente correta, especialmente quando os danos não decorrem de um acidente de trânsito típico, mas de um ato intencional ligado a brigas pessoais ou fatos alheios à circulação viária.

Esse tema tem sido objeto de decisões judiciais e de atenção das companhias de seguro, já que delimitar o risco coberto é fundamental para preservar o equilíbrio contratual e evitar abusos.

 

A natureza do contrato de seguro e a responsabilidade civil

O contrato de seguro, regulado pelo Código Civil a partir do artigo 757, estabelece que a seguradora se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados.

Ou seja, a cobertura securitária não é ilimitada: ela protege contra eventos fortuitos e riscos inerentes ao trânsito, não abrangendo situações dolosas ou intencionais.

Conforme o art. 762 do Código Civil, os atos intencionais realizados pelo segurado, beneficiário ou seus representantes, tornam o contrato nulo. Assim, quando o veículo é utilizado como instrumento em uma briga pessoal, não há que se falar em indenização, já que o dano não resulta de acidente de trânsito, mas de conduta proposital.

 

Jurisprudência: fato alheio ao trânsito afasta cobertura

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a apelação nº. 1001199-13.2018.8.26.0001, oriunda da 8ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, na qual o segurado buscava indenização após danos decorrentes de desentendimento pessoal, firmou entendimento de que a seguradora não está obrigada a indenizar quando o sinistro não guarda relação com a circulação normal de veículos, mas com conflito pessoal entre as partes.

No caso, o acórdão destacou que a cobertura securitária deve ser interpretada de acordo com o risco contratado. Se o evento não decorre de acidente típico de trânsito, mas de ato intencional alheio a esse contexto, não há obrigação da seguradora em ressarcir. Trata-se de aplicação direta dos princípios contratuais e do art. 757 do Código Civil.

 

O entendimento do mercado segurador

Além da jurisprudência, especialistas do mercado de seguros reforçam essa interpretação.
Segundo representantes do Sincor/PE e corretores de seguros consultados, se os danos ao veículo decorrem de um desentendimento pessoal, em que uma das partes utiliza o automóvel como “arma”, a seguradora está autorizada a negar a indenização.

Por outro lado, se o acidente é de fato involuntário e resultado da dinâmica normal do trânsito, a cobertura deve ser garantida. A análise do contexto do sinistro é, portanto, essencial para distinguir o acidente de trânsito do ato intencional.

 

Boa-fé e função social do contrato de seguro

O contrato de seguro cumpre relevante função social ao proteger o segurado contra riscos imprevistos e ao contribuir para a segurança viária. No entanto, sua eficácia depende do respeito à boa-fé objetiva, determinada pelo 422 do Código Civil e à delimitação dos riscos contratados.

Permitir que danos intencionais fossem indenizados significaria distorcer o equilíbrio contratual, impondo ao coletivo de segurados o custo de condutas que não se enquadram na finalidade do seguro. Daí a razão pela qual a negativa, em situações de brigas pessoais ou fatos alheios ao trânsito, é juridicamente válida.

 

Conclusão

A recusa da seguradora em indenizar não configura abusividade quando o sinistro resulta de briga pessoal ou ato intencional do segurado ou de terceiros, desvinculado do risco típico do trânsito.

Para o consumidor, a principal recomendação é compreender os limites do contrato de seguro, agir sempre com boa-fé e buscar orientação jurídica em caso de dúvidas. Assim, evita-se a frustração de expectativas e garante-se a correta aplicação da lei e da função social do seguro.